segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

A preguiça clandestina


Nem todos são capazes de entender a importância da preguiça, eu mesmo demorei a compreendê-la dadas as frequentes repressões de ditadores da atividade.

Lembro-me de quando não tinha que levantar cedo e por isso ficava na cama por horas e horas. Quase sempre permitia aos meus sonhos uma continuidade de longa metragem, conduzindo com paciência as situações mais bizarras, mas que sempre me entretiveram. Lembro-me também da tranquilidade com que encarava a vida, sem a responsabilidade própria dos adultos e de todos os que são preocupados com o relógio e suas obrigações. 

Como era bom não ser exigido como hoje somos, pelos outros e por nós mesmos. Agora, já não temos mais a alegria de não fazer nada, pois firmamos o contrato social e precisamos ter comprometimento com a lei da produtividade. Sim, estamos comprometidos! 

Tenho que despertar cedo, tenho que suprimir a minha preguiça para que eu seja aquilo que diariamente tento ser.

Admiro a vida dos índios, dos povos nativos do Brasil, que de tão providos de bens naturais não precisam trabalhar, ou melhor, trabalham observando e admirando calmamente o desenvolvimento natural da vida ao seu redor. Sua integração com o meio ambiente é total, onde o trabalho não é uma imposição social, uma coerção que lhes rouba tempo e energia para o lucro alheio. Eles desenvolvem-se ao ritmo da própria natureza.

Aqui está sua importância: ser preguiçoso não é ser irresponsável com as coisas e com as pessoas, é saber degustar o tempo com calma e paciência. Numa época onde as nossas ações são simultâneas e aceleradas, como falar ao celular enquanto amarra o sapato, ser preguiçoso é escutar uma boa música e só fazer isso.

Realizar cada coisa em seu próprio tempo com dedicação, sem pressa ou avidez, é respeitá-la.

Um brinde à preguiça, àquela que não temos mais, porque agora só nos resta a preguiça clandestina, uma preguiça proibida que devemos manter em sigilo. Devemos escondê-la principalmente dos entusiastas do desenvolvimento, do sucesso profissional, enfim, daqueles que glorificam os protocolos mais cansativos do sistema.

Tenho esperança por uma revolução que instituirá a preguiça como um direito garantido na constituição. Então, quando nos desenvolvermos até esse ponto, a hipocrisia cederá o seu lugar à verdade. Um novo homem irá surgir, um homem mais disposto a viver a vida, pois ela lhe pertencerá de fato!

Quando o nosso tempo não for mais roubado e massacrado, quando a tranquilidade voltar a habitar nossos corpos e mentes, quando o dinheiro não for mais algo indispensável, quando o trabalho se tornar propriedade do trabalhador... Aí sim viveremos em um mundo onde a preguiça não será mais clandestina, mas sim aberta, compartilhada e saudada.

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