terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Porto de Galinhas - PE


Sociedade subornada

Aqueles que abdicam de seus próprios interesses e se distraem de suas verdadeiras paixões para apegarem-se em felicidades baratas e amores descartáveis. Aqueles que descartam as realizações individuais para compartilharem alegrias efêmeras. Aqueles que preferem a casca em detrimento da carne, como diz Henry Thoreau. Não tenha dúvidas, são eles quem compõe a sociedade subornada, um lugar cada vez mais inóspito aos que pretendem agir com princípios e coerência. Nesta sociedade não se busca alcançar aquilo que se crê, ou aquilo que se deseja, o que podemos observar são pessoas dispostas a realizar atos mecânicos com finalidades previsíveis, atos que, no final das contas, refletem uma escolha segura e cômoda. Os atos mecânicos, as condutas conservadoras, o desejo de estar seguro com aquilo que se possui nada mais é do que um produto do medo. Não que eu acredite que não devemos prezar por aquilo que conquistamos, mas nesta sociedade subornada ocorreu uma inversão perniciosa ao ser humano, onde os meios passaram a ser um fim. Vivemos sob a ditadura da posse e dos prazeres repetitivos, ditadura esta que é um fruto do ciclo vicioso imposto pelo sistema capitalista onde trabalho e consumo significam nada menos que a vida. Estamos submersos num mar de mediocridade onde até mesmo as crianças, verdadeiros diamantes em estado natural, são constantemente desacreditadas da liberdade e contaminadas pelo medo de seus pais, tutores e educadores. Mesmo assim as crianças ainda são a esperança, pois elas tem em si a essência da liberdade que é a coragem! Feliz é aquele que tem a sua volta pessoas corajosas e livres de preconceitos, estas pessoas jamais se deixam subornar pela vida mesquinha e materialista. Nossos atos estão quase sempre de acordo com aquilo que temos como referência, por isso na sociedade subornada a desonra é um mal contagioso. Mas como fugir daquilo que compra as nossas almas e nos faz agir como bonecos num mundo de aparências e de superficialidades? De que maneira seremos livres se mal podemos sair para uma caminhada sem destino e hora pra voltar? Eis a grande questão, pois acredito que vencer estes desafios é uma tarefa constante e que, na verdade, não tem receita. Cada um de nós precisa encontrar em si mesmo uma forma de impor-se ante aos subornos diários do mundo capital. No entanto, se nosso espírito, mente e coração estiverem sincronizados e voltados para o mesmo ideal, desejosos da sabedoria que é fruto da experiência individual espelhada no conhecimento que o mundo nos oferece, provavelmente assim estaremos menos suscetíveis aos botes do inimigo. Sejamos menos dependentes e mais autônomos, cobremos de nós mesmos mais do que dos outros e sempre recordemos das palavras de liberdade que grandiosos seres humanos nos legaram. E o que jamais podemos desprezar é o valor do sentimento, pois ele é aquilo que transcende a conveniência racional de se deixar ser subornado.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

A preguiça clandestina


Nem todos são capazes de entender a importância da preguiça, eu mesmo demorei a compreendê-la dadas as frequentes repressões de ditadores da atividade.

Lembro-me de quando não tinha que levantar cedo e por isso ficava na cama por horas e horas. Quase sempre permitia aos meus sonhos uma continuidade de longa metragem, conduzindo com paciência as situações mais bizarras, mas que sempre me entretiveram. Lembro-me também da tranquilidade com que encarava a vida, sem a responsabilidade própria dos adultos e de todos os que são preocupados com o relógio e suas obrigações. 

Como era bom não ser exigido como hoje somos, pelos outros e por nós mesmos. Agora, já não temos mais a alegria de não fazer nada, pois firmamos o contrato social e precisamos ter comprometimento com a lei da produtividade. Sim, estamos comprometidos! 

Tenho que despertar cedo, tenho que suprimir a minha preguiça para que eu seja aquilo que diariamente tento ser.

Admiro a vida dos índios, dos povos nativos do Brasil, que de tão providos de bens naturais não precisam trabalhar, ou melhor, trabalham observando e admirando calmamente o desenvolvimento natural da vida ao seu redor. Sua integração com o meio ambiente é total, onde o trabalho não é uma imposição social, uma coerção que lhes rouba tempo e energia para o lucro alheio. Eles desenvolvem-se ao ritmo da própria natureza.

Aqui está sua importância: ser preguiçoso não é ser irresponsável com as coisas e com as pessoas, é saber degustar o tempo com calma e paciência. Numa época onde as nossas ações são simultâneas e aceleradas, como falar ao celular enquanto amarra o sapato, ser preguiçoso é escutar uma boa música e só fazer isso.

Realizar cada coisa em seu próprio tempo com dedicação, sem pressa ou avidez, é respeitá-la.

Um brinde à preguiça, àquela que não temos mais, porque agora só nos resta a preguiça clandestina, uma preguiça proibida que devemos manter em sigilo. Devemos escondê-la principalmente dos entusiastas do desenvolvimento, do sucesso profissional, enfim, daqueles que glorificam os protocolos mais cansativos do sistema.

Tenho esperança por uma revolução que instituirá a preguiça como um direito garantido na constituição. Então, quando nos desenvolvermos até esse ponto, a hipocrisia cederá o seu lugar à verdade. Um novo homem irá surgir, um homem mais disposto a viver a vida, pois ela lhe pertencerá de fato!

Quando o nosso tempo não for mais roubado e massacrado, quando a tranquilidade voltar a habitar nossos corpos e mentes, quando o dinheiro não for mais algo indispensável, quando o trabalho se tornar propriedade do trabalhador... Aí sim viveremos em um mundo onde a preguiça não será mais clandestina, mas sim aberta, compartilhada e saudada.

Guarujá - SP