terça-feira, 20 de novembro de 2012

Minha consciência negra


Eu poderia ser mais um jovem branco de classe média que pouca afinidade tem com questões como a cultura negra e o racismo, mas alguns acontecimentos em minha vida me aproximaram tanto que isso virou a minha grande paixão e trabalho. Na verdade, um fato em especial me encaminhou a pensar criticamente o tema, tendo como resultado a realização de duas pesquisas acadêmicas sobre a história do racismo e a resistência negra. Além disso, criei laços com a cultura, o que me deu condições de absorver novos valores.

Desde a infância cresci num ambiente social duplo, alternando a escola particular com a rua da minha casa, no bairro Monte Alegre de Ribeirão Preto. Na escola tinha colegas de classe média-alta e na rua convivi com pessoas de classe social mais baixa, inclusive amigas e amigos negros, com quem mantenho amizade. Aos 14 anos, num passeio pelo shopping na companhia de três desses amigos encontrei um colega da escola, foi o suficiente para que nas semanas seguintes eu sofresse algumas humilhações. Este colega espalhou para o resto da turma que eu andava com “pretos”.

Naquela ocasião me senti negro e pude, por alguns momentos, sentir a dor da discriminação. O que poderia eu alegar perante aquele tribunal juvenil do apartheid? Sim, eu andava com negros, mas não apenas, esses meus amigos foram uma verdadeira família pra mim durante toda a infância e adolescência. Apesar da condenação não abri mão das amizades, pelo contrário, me afastei cada vez mais dos espaços elitizados que me foram oferecidos ao longo da vida. Uma escolha que revela o meu processo de tomada da consciência negra, que desde então me acompanha.

Dessa maneira percebemos o racismo à moda brasileira, um país que se diz democrático racialmente, pois nunca vivenciou uma guerra étnica declarada como ocorreu nos Estados Unidos e na África do Sul. Aqui convivemos com um racismo velado e pautado por estereótipos, e com a crença de que o negro existe para servir, uma herança dos quatro séculos de escravidão. Infelizmente, como pude perceber, a intolerância se revela em todos os lugares, até mesmo na escola prejudicando o desenvolvimento das pessoas.

Hoje a questão é mais discutida por conta das políticas públicas conquistadas pelo movimento negro, como a lei 10.639, que institui o ensino da cultura negra e história africana nas escolas, as cotas raciais e sociais nas universidades e o feriado do dia 20 de novembro em memória de Zumbi dos Palmares. No entanto, pode-se perceber uma forte reação de setores sociais conservadores tentando minimizar e até suprimir estas conquistas. O racismo à moda brasileira, quase sempre escondido, se manifesta mais conforme cresce a consciência negra.

É preciso enfrentar o pensamento reacionário, uma missão que exige o olhar para novos valores e paradigmas. Nesse processo é importante notar a riqueza que é a cultura de matriz africana, cada vez mais desenvolvida, ganhando espaços e conquistando pessoas. O poder de encantamento presente na musicalidade, no ritmo, na beleza e até mesmo na religiosidade afrodescendente é a linha de frente do exército que visa romper as barreiras da ignorância ainda presente.

Em Ribeirão Preto existem espaços que conservam esta beleza e trabalham um discurso político em favor da igualdade racial, nestes lugares é possível compreender os valores que permeiam a causa e como eles criam um sentido às diferenças. Enquanto o racismo age para reprimir a cultura e a estética afrodescendente, o movimento negro reage cativando negros e brancos com um novo olhar para o mundo a partir de suas raízes culturais. O que se oferece é um saudável processo de auto-estima e valorização da identidade.

Por esses motivos é importante que o dia 20 de novembro seja saudado por todos, principalmente por aqueles que desejam uma sociedade mais integrada. Exaltar a consciência negra é reconhecer uma história de injustiças, é olhar para as feridas abertas que prejudicam o desenvolvimento da sociedade brasileira. Além disso, é também brindar à riqueza cultural que possuímos e reconhecer que a diversidade é nosso grande trunfo, algo que podemos oferecer ao mundo como elemento de transformação dos velhos paradigmas etnocêntricos ainda dominantes.